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Arquivos mensais: Março 2012

Thor Batista ou Wanderson da Silva: quem foi o culpado?

Fonte: Blog do Sakamoto
Texto: Maria Paola de Salvo*

Thor Batista com a namorada, Tamara Lobo, e com o pai, Eike

 

Toda vez que uma celebridade ou endinheirado a bordo de um carro potente de milhares de reais atropela e mata um pedestre ou um ciclista, o país inteiro se lança num processo inquisitório em busca dos culpados. Em geral, o condutor se apressa a apontar o dedo para a vítima, acusando-a de imprudente, como fez hoje Eike Batista ao defender o filho Thor em entrevista à colunista Mônica Bergamo, do jornal Folha de S. Paulo,  e os familiares do pedestre ou ciclista colocam a culpa na má conduta do motorista. Perdida em opiniões e preocupada em reproduzir declarações, a opinião pública dificilmente aponta o dedo para o lado que importa: o das evidências, fatos e provas técnicas.

Todos têm direito ao benefício da dúvida e são inocentes até que se prove o contrário. Por isso, minha intenção aqui não é acusar Thor nem o ciclista, mas levantar algumas dúvidas em relação ao caso. Não sou perita científica, mas, tendo produzido várias matérias sobre acidentes de trânsito e perícias de colisões para várias publicações e como ex-repórter e ex-editora de uma revista especializada em automóveis como a Quatro Rodas, não consegui ficar calada diante das declarações de Eike de que o ciclista foi imprudente e o filho dele correu risco. É possível, sim, que o ciclista Wanderson Pereira da Silva tenha se arriscado mais do que devia ao atravessar a rodovia. Contudo, se isso realmente aconteceu, é pouco provável que a colisão tivesse sido frontal e tão violenta e ele tivesse o corpo tão dilacerado, se Thor não estivesse em alta velocidade.

Wanderson Pereira tinha 30 anos

É difícil acreditar em Thor apenas no papel de vítima, como seu pai alega, simplesmente porque algumas estatísticas, evidências científicas e comportamentais de trânsito nos mostram o contrário. Vejam abaixo meus argumentos, que não refletem a opinião da revista nem da editora para a qual já trabalhei um dia:

1) Se o filho de Eike correu risco, como afirma o empresário, foi porque devia estar em alta velocidade. Segundo dados do National Pedestrian Crash Report do NHTSA, o órgão de trânsito que reúne estatísticas de acidentes nos Estados Unidos, 0,3% dos motoristas envolvidos em atropelamento com vítima fatal morreram nos últimos 10 anos nos Estados Unidos. Em outras palavras, as chances de prejuízos fatais são sempre maiores para o pedestre e para o ciclista e não para os condutores. Logo, pelas estatísticas, era infinitamente baixo o risco de o filho de Eike ter morrido ou se ferido no acidente – a menos que estivesse em alta velocidade. Por outro lado, as chances de morte de Wanderson eram praticamente certas, de 100%, considerando que o carro estivesse a 90 km/h, como Thor afirmou em entrevista. A 70 km/h, o risco de morte de um ciclista ou pedestre já é de 85%.

2) Há grandes chances de a colisão ter sido frontal. Thor diz que o ciclista saiu do acostamento e entrou de repente na pista. Se assim fosse, a maior probabilidade seria o ciclista ter sido atingido de lado e, provavelmente, caído do outro lado do carro. No entanto, o ciclista parece ter sido colhido de frente e voado por cima do capô, o que pode indicar uma colisão frontal – não se sabe se na pista ou se no acostamento, como alega a defesa da vítima. Segundo especialistas, num atropelamento em que a colisão é frontal, o primeiro contato do corpo é com o início do capô. Nas fotos da Mercedes de Thor, é possível ver que a grade frontal foi de fato danificada. Em colisões assim, carros de passeio tendem mesmo a jogar o corpo para cima do capô. Aqui, de novo, as fotos do Mercedes depois do acidente mostram evidências de que isso pode ter mesmo acontecido: o para-brisa e o teto estão completamente destruídos. Para uma melhor compreensão de como acontecem os choques frontais entre carro e corpo humano, veja o infográfico aqui.

3) A Mercedes de Thor deveria estar a pelo menos 80 km/h quando atingiu o rapaz. Segundo legistas, o risco de morte é de praticamente de 100% quando o carro está a mais de 80 km/h. Ultrapassados os 80 km/h, a cada quilômetro a mais, aumentam as chances de fratura na coluna, rompimento de artérias importantes e até desmembramentos e amputações. No caso em questão, testemunhas afirmam que o tórax do ciclista se abriu ao meio, o coração dele foi parar dentro da cabine do motorista e seu corpo foi totalmente dilacerado. O que leva a crer que Thor poderia estar rodando bem acima dos 80 km/h.

4) Qual era a distância do corpo do atropelado em relação ao carro? A distância do corpo da vítima ajuda a entender a dinâmica da colisão e dá pistas sobre a velocidade do carro. A mancha de sangue revela o local do choque. A partir dela, sabe-se por quantos metros o corpo foi arrastado. Se a distância é grande, é porque o veículo devia estar em alta velocidade, o que poderia ser confirmado pelas marcas de frenagem. Para isso, é extremamente importante manter intacta a cena do acidente. No entanto, ao que parece, não se tem nenhuma dessas respostas até agora simplesmente porque a cena da colisão foi alterada e o veículo foi rápida e estranhamente retirado do local.

5) Histórico de imprudência: o motivo da maioria das multas da carteira já “estourada” de Thor era excesso de velocidade. A literatura de trânsito é farta em estudos mostrando que motoristas tendem a repetir o mesmo comportamento imprudente quando não são punidos. Diante disso, o que levaria um garoto na faixa dos 20 anos (a mais propensa a se envolver em atropelamentos com morte, segundo o mesmo relatório do NHTSA) e com histórico de excesso de velocidade ter alterado seu comportamento imprudente justamente naquele dia, tendo nas mãos o volante de um Mercedes-Benz SLR McLaren, que chega a mais de 300 km/h?

Quando recebem punição, no entanto, os motoristas tendem a mudar o jeito de agir no futuro. Há dezenas de estudos na área. O instituto australiano Centre for Accident Research and Road Safety, de Queensland, fez uma pesquisa em 2007 com 309 motoristas que dirigiam sem carteira de motorista e foram punidos. Mediram-se as intenções de dirigir sem habilitação de novo no futuro. A conclusão é que o comportamento imprudente não se repetiria se o motorista percebesse a alta probabilidade de ser preso e se as penas fossem suficientemente severas.

Enquanto não tivermos as respostas para essas dúvidas técnicas, será impossível emitir um veredicto e eximir Thor de qualquer culpa no acidente e acusar Wanderson, o ciclista, como deseja Eike Batista.

* Maria Paola de Salvo é jornalista, foi repórter e editora da revista Quatro Rodas e também repórter de Veja São Paulo, onde costumava cobrir trânsito. Suas opiniões não refletem a posição das revistas ou da editora para a qual já trabalhou um dia.

 

Abaixo, uma reportagem produzida pelo “SBT Brasil” e o excelente comentário da jornalista Rachel Sheherazade sobre o caso:

 
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Publicado por em 21 de Março de 2012 em Sem categoria

 

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Caso Roberto Laudísio: O uso criminoso das armas “não-letais” e a tortura legalizada

Fonte: Blog do Tsavkko

 

Escrevi ha algum tempo, no auge dos protestos estudantes contra o aumento das passagens em São Paulo, sorbe o uso indiscriminado por parte da polícia de armas chamadas de “não-letais” que, na verdade, são verdadeiros instrumentos de tortura:

É válido um questionamento sobre o uso indiscriminado e descontrolado de armas ditas “não-letais” pelas forças de “segurança”.

Balas de borracha, bombas de gas lacrimogêneo eufemísticamente chamadas de “bombas de efeito moral”, sprays de pimenta concentrada e mesmo armas de choque são armas potencialmente letais, usadas de forma indiscriminada por policiais sem qualquer tipo de treinamento, e pior, com vontade de causar o máximo de dano que puderem.

Caso matem a vítima com estas armas “não-letais”, poderão dar a desculpa de que foi sem querer ou de que cumpriam ordens.

Estas armas são basicamente instrumentos de tortura em massa com selo de aprovação governamental.

Mantenho o que disse a aproximo à realidade com um exemplo atual e polêmico.

O brasileiro Roberto Laudísio foi assassinado na Austrália pela polícia local com choques de taser (arma de choque) por, supsotamente, ter roubado um pacote de bolachas de um mercado.

Assim como com Jean Charles, que de tão absurdo o caso, virou um filme, o caso demonstra a forma pela qual seres humanos são tratados pelas forças policiais: Sem nenhum respeito pela integridade física e pela vida.

Jean Charles foi baleado covardemente e assassinado de forma brutal ao ser confundido com um suposto terrorista que, MESMO que fosse terrorista, não poderia ser assassinado a sangue frio sem sequer reagir. Não me consta que a legislação de nenhum país dito democrático permita o assassinato sem julgamento (isto para os países que promovem a pena de morte) nemque a polícia mate sem que esteja em perigo ou se defendendo.

Mesmo assim NADA aconteceu com nenhum policial inglês envolvida, assim como o Brasil não se empenhou em fazer justiça. Uma vergonha de ambos os lados.

O suspeito fugiu da abordagem, ainda conforme a polícia. Os policiais o perseguiram e, durante um confronto, dispararam uma arma de choque elétrico e usaram spray de pimenta.
Uma testemunha da ação disse ao jornal australiano “Sydney Morning Herald” que, mesmo depois de caído no chão, ele tentou se livrar e foi atingido pelo menos mais três vezes com a arma de choque, do modelo Taser. A ação foi filmada por uma câmera de segurança de um café da rua e exibida na TV australiana

No caso em tela, de Roberto Laudísio, o rapaz foi simplesmente agredido com um taser e então morto. Há tentativas de “explicar”, de que talvez ele estivesse drogado, bêbado, ou mesmo tivesse ingerido algo que pudesse “facilitar” a ação letal do taser, uma arma não letal.

Tudo indica que Roberto sequer estava envolvido no furto dos biscoitos. Mesmo que tivesse,  é absurdo que houvesse motivos para tanta violência contra uma pessoa desarmada, sòzinha diante de uma equipe policial.
O crime lembra o assassinato de Jean Charles, o brasileiro perseguido e morto pela polícia inglesa, que alega tê-lo confundido com um terrorista.

Em primeiro lugar, não existe esse papo de arma não-letal, como já ficou bem claro pelas centenas de casos de mortes em decorrência do uso deste tipo de arma pelo mundo (só nos EUA, são mais de 500 casos documentados). É possível dizer que são armas MENOS letais, mas matam da mesma forma que um porrete ou um fuzil.

Em segundo lugar, armas ditas não-letais tem como característica a intenção de causar sérios ferimentos, ferimentos dolorosos e algumas vezes passíveis de causar cegueira, amputação de partes do corpo ou de causar paralisia permanente. Ou seja, é o Estado assumindo que não pdoe matar (ou talvez só algumas vezes, sem querer), mas pode ferir, mutilar, desfigurar…

Vejam que mesmo a tortura “clássica”, como por exemplo a praticada pelos bandidos de farda durante a Ditadura – e que continua acontecendo em quartéis e delegacias contra pobres, negros e necessitados – não tem, em si, intenção de matar, mas tão somente de causar dor e sofrimento. Por vezes a tortura busca mutilar, amputar partes do corpo, causar danos permanentes, paralisia… Mas a morte costuma ser apenas uma decorrência infeliz, o prazer do torturador está não só no ato, mas também no resultado final, na certeza das sequelas inflingidas, na certeza do dano físico e psicológico à vítima.

Será que é possível notar semelhanças entre o sadismo do uso sistemático da tortura legalizada via armas “não-letais” e da tortura “clássica” que, sejamso honestos, o Estado considera ilegal mas faz vista grossa ou até incentiva sorrateiramente em muitos casos?

O caso de Roberto Laudísio mostra que o problema não é apenas brasileiro, mas mundial. A tortura é uma prática comum e que vai sendo legalizada e feita às claras – e contando com apoio de muita gente, de “especialistas”… -e tornada lugar-comum.

E muitos não vêem problema algum nisso. Tem coisa mais comum que protestos sejam “dispersados” com extrema violência e com largo uso de armas “não-letais”?

Podem dizer “oras, melhor um taser, uma balinha de borracha que sem querer pode causar um dano do que uma bala de verdade para dispersar um protesto”. Bem, eu prefiro que manifestações sejam respeitadas e não dispersadas com violência, que ladrões em fuga sejam perseguidos e presos e não torturados, e que haja respeito ao inocente ou mesmo ao criminoso em fuga e que nenhum deles seja torturado, legal ou ilegalmente.

Aliás, é interessante notar como há uma separação entre a violência excessiva e o uso de armas “não-letais”.

Balas de borracha, por exemplo, são considerados instrumentos comuns e inofensivos na dispersão de multidões – mesmo pacíficas. Não háestranhamento. Violência parece ser apenas quando há o uso do cacetete.

Prefiro que haja liberdade para protestar, liberdade para contestar sem receber uma bala de borracha “não-letal” na cabeça ou na coluna. Prefiro que um (supsoto) ladrão de bolachas escape com o pacote do que seja assassinado no meio da rua como um animal sem maior importância.

Pessoalmente eu não me importo se Roberto Laudísio é culpado ou inocente do terrível crime de robar um pacote de bolachas, o que me importa é que ele foi assassinado e não há nenhuma preocupação em se averiguar o principal: o uso indiscriminado da tortura como arma. A preocupação geral é com “porquês” aleatórios.

Oras, se descobrirem que ele estava bêbado ou drogado, a cupa do polícial e do Estado (australiano, no caso) diminui? Então todos os bêbados e drogados irão morrer – e dane-se – caso sejam vítimas do taser?

É triste que pessoas possam “legalmente” ser mortas, desfiguradas, deformadas, violentadas, desumanizadas… Enfim, torturadas.

 
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Publicado por em 21 de Março de 2012 em Sem categoria

 

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Bullying homofóbico resulta em agressão física e jovem deixa escola pública no RS

Fonte: Sul 21

Com apenas 15 dias de ano letivo, o aluno da Escola Estadual Onofre Pires, em Santo Ângelo, interior do Rio Grande do Sul, deixou a instituição de ensino para nunca mais voltar. Vítima de bullying desde o começo das aulas, C. T. (15 anos), foi agredido no dia 13 de março por motivação homofóbica. Desde então, o jovem não retornou à escola. Nesta segunda-feira, 19, a 14ª Coordenadoria Regional de Educação foi informada de que a família do jovem retirou o aluno da rede estadual. “A escola não detectou o bullying previamente”, admite o coordenador de educação Adelino Seibt.

Ele conta que o Comitê de Prevenção à Violência da 14ª CRE atua na região e passou a intensificar o trabalho de orientação ao bullying e a homofobia. “Foi o primeiro caso que chegou a agressão física e ao nosso conhecimento. Estamos orientando as escolas a detectar previamente às vítimas de bullying em sala de aula e como lidar com a diversidade sexual na escola”, conta Seibt. Segundo o coordenador, a família optou em retirar o adolescente da rede pública por acreditar que na escola particular ele estará seguro a novos episódios de violência. “Eles não querem falar para onde ele irá, nem expor mais o caso, para preservá-lo”, disse.

A direção da escola foi contatada pelo Sul21 e se recusou a falar sobre o episódio. Porém, no dia da agressão, a diretora Rosane Pedrazza encaminhou o adolescente agredido para registro da ocorrência na Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA).

O caso segue em processo de investigação policial na Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente de Santo Ângelo. De acordo com a delegada Elaine Maria da Silva, foram infligidas lesões corporais ao menino bem na frente da escola. “Ele disse que já vinha sendo agredido verbalmente. Ao sair da aula no dia da ocorrência, ele achou que seria golpeado com uma faca, mas recebeu uma voadora do menino agressor”, conta.

Ela explica que uma apuração de ato infracional está em curso e as partes serão ouvidas para mais esclarecimentos. Com a constatação da violência, o agressor poderá cumprir medida sócio-educativa e terá acompanhamento da justiça. “Não apreendemos nenhuma arma branca. E, este foi o primeiro registro de bullying por preconceito de orientação sexual”, diz a delegada.

Apesar de a ocorrência ter sido registrada no dia 13 de março, a agressão foi noticiada dois dias depois e mal repercutiu na capital gaúcha. Para o presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Travestis e Transexuais (ABGLT), Toni Reis, que recebeu a denúncia de C. T. por email, o caso é mais um lamentável fato corriqueiro que ocorre no país. “Recebemos denúncias de agressões deste e de outros tipos diariamente. Não raro os jovens falam em suicídio e demonstram desespero”, disse.

Toni Reis disse que, após orientar sobre os mecanismos de defesa a que o adolescente tinha direito, o jovem não entrou mais em contato com a entidade. “Pelo tom do que ele escreveu, deve estar um tanto traumatizado”, avaliou.

Jovem acusa professores de preconceito

No email enviado à entidade nacional de defesa dos direitos dos homossexuais, C.  T. relata que vinha sofrendo bullying por toda a turma da escola e inclusive com conivência de alguns professores. “Quando perguntei a minha professora de Geografia porque ela não fazia nada enquanto eu sofria agressões verbais, ela disse que ‘a aula é uma democracia’, diz o jovem.

Segundo o adolescente, o que mais incomodava os colegas era o fato de ele assumir sua orientação sexual. “Alguns alunos simulavam sexo oral e anal com um ursinho de pelúcia enquanto me chamavam de viado, viadinho, gayzinho, etc.”, cita no texto. C. T. escreveu que a Escola Estadual Onofre Pires foi a segunda transferência que fez para fugir de bullying homofóbico. Na denúncia à ABGLT, o adolescente revela ter omitido que era gay na delegacia, com receio de sofrer mais desrespeito ou mesmo a negligência com o caso. “Cheguei lá chorando e humilhado. Eu tenho medo que aconteça alguma coisa comigo. Eu queria que alguém me ajudasse, por favor!”, apelou ao final do comunicado.

 

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O começo de uma nova era na relação homem e mulher


Texto de:
Regina Navarro Lins
Psicanalista e Sexóloga
Twitter: @reginanavarro

Hoje, a mulher pode não só dividir o poder econômico com o homem, como ter filhos se quiser ou quando quiser

Ao ouvir no meu consultório, num mesmo dia, dois relatos pouco habituais, me dei conta de que há algo novo  acontecendo na relação homem/mulher. No primeiro caso, um engenheiro de 58 anos, separado de três casamentos, conta inconformado a sua decepção. Surpreso, assistiu a sua proposta de casamento ser recusada pela mulher com quem namora há um ano, uma advogada de 51 anos, também separada, com filhos adultos. Ela alega gostar muito de fazer sexo com ele, mas não acha justo se reprimir quando sentir desejo por outro homem. Ele insiste em reconstituir uma família e ela em ficar solteira.

O outro caso é o de uma pedagoga de 26 anos. Há quase três anos mora com o namorado, um professor universitário de 30 anos, mas faz questão de manter o apartamento, que divide com uma amiga, onde morava antes. A relação está em crise, o namorado deseja ter um filho ainda este ano e ela se recusa. Alega não querer ter filho agora, e nem ter certeza de querê-lo algum dia. O namorado entende essa atitude como falta de amor e diz que com um filho a relação dos dois ficaria mais estável e ele mais tranquilo. Mas é justamente essa estabilidade que a apavora.

O que está acontecendo? O que sempre presenciamos na vida, nos filmes e nas novelas são as mulheres desejando se casar, ter uma relação estável e segura. Além disso, só sentiriam desejo sexual pelo homem que amam, seja namorado ou marido. Sempre se acreditou que as diferenças entre o homem e a mulher incluíam a monogamia natural dela, para quem amor e sexo seriam inseparáveis. Seria da natureza do homem a infidelidade e também o hábito de tentar se esquivar de um compromisso.

Talvez seja um equívoco imaginar que esses novos anseios e comportamentos delineados nos exemplos acima façam parte de um simples processo natural e evolução e modificação dos costumes. O que vemos hoje é diferente. Vivemos nas primeiras décadas do século 21 um momento de ruptura, onde aspectos básicos das relações humanas estão sendo reformulados. Esse processo de mutação da história da humanidade não é facilmente perceptível e certamente só se tornará evidente quando concluído.

O novo assusta, nos faz sentir desprotegidos, por isso nos agarramos ao já conhecido. Estamos acostumados a usar modelos do passado no presente. Entretanto, isso se torna cada vez menos possível. O ser humano começa a se libertar das sujeições que o limitam há cinco mil anos, desde o surgimento o patriarcado – sistema de dominação do homem –, cuja história se confunde com a própria história da nossa civilização.

Temos informação de outra história anterior, muito mais longa, mas a ignoramos. Não é a nossa história. A nossa história se define e foi sustentada por dois aspectos fundamentais: o controle da fecundidade da mulher e a divisão sexual de tarefas. Trata-se de uma estrutura social nascida do poder do pai, com um rígido controle da sexualidade feminina. A ideologia patriarcal colocou em oposição homens e mulheres. Ao contrário do que se pensa, essa divisão permitiu a dominação e, dessa forma, a submissão de ambos os sexos, não só das mulheres. A elas coube o status de inferiores e aos homens de superiores.

As mulheres, durante alguns milênios, foram cúmplices na perpetuação do sistema patriarcal que as oprime, acreditando nessa inferioridade e transmitindo os mesmos valores, através das gerações, aos filhos de ambos os sexos. Os homens pagam um alto preço para manter a adequação social imposta: não podem falhar. Homens e mulheres, por milhares de anos, abriram mão de sua autonomia e liberdade, visto que esse sistema e a liberdade pessoal são antagônicos.

Há cerca de 50 anos o patriarcado começou a perder suas bases. O avanço tecnológico elimina a divisão de tarefas. O advento dos anticoncepcionais eficazes e acessíveis desferiu o golpe definitivo nesse sistema, que tem no controle da fecundidade da mulher sua principal razão de ser e, por estar calcado na natureza biológica, sempre foi considerado universal e eterno.

Hoje, a mulher pode não só dividir o poder econômico com o homem, como ter filhos se quiser ou quando quiser. Essa transformação radical se distingue do processo de evolução observado até agora. A partir daqui, não temos como avaliar as consequências. Estamos vivendo um processo de mutação, após milênios da única ideologia de que temos registro. Talvez tenhamos que aguardar várias gerações para vê-lo concluído. Mas os sinais já começam a se esboçar.

O enfraquecimento da ideologia patriarcal traz nova reflexão sobre o relacionamento entre homens e mulheres, o amor, o casamento e a sexualidade. Pressentimos a destruição de valores estabelecidos como inquestionáveis e nossas convicções íntimas mais arraigadas são abaladas. Os modelos do passado não nos dão mais respostas e nos deparamos com uma realidade ameaçadora, por não encontrarmos modelos em que nos apoiar, em tempo algum, em nenhum lugar.

Entretanto, essa pode ser a grande saída para o ser humano. Não tendo mais que se adaptar a modelos impostos de fora, as singularidades de cada um encontram novo campo de expressão. No momento em que se rompe com a moral que, durante tanto tempo e através de seus códigos, julgou e subjugou o prazer das pessoas, abre-se um espaço onde novas formas de viver, assim como novas sensações, podem ser experimentadas. Sem nos darmos conta, estamos assistindo ao fim do patriarcado e ao nascimento de uma nova era.

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Publicado por em 18 de Março de 2012 em Reflexões, Sexualidade

 

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Nos anos 50, Igreja Católica da Holanda castrou jovens gays

Nos anos 50, a Igreja Católica da Holanda castrou pelo menos dez crianças para reprimir seus impulsos  homossexuais. A informação é do jornal NRC Handelsblad, que teve acesso a informações omitidas em um relatório divulgado em 2011 por uma comissão independente criada para investigar abusos sexuais cometidos por sacerdotes desde 1945.

As crianças castradas estavam sob a tutela da Igreja em internatos ou em clínicas psiquiatras. Algumas delas teriam sido vítimas de abuso de padre. A mutilação dos testículos era feita como um “ato de libertação”.

O jornal publicou o caso de Henk Heit House. Em 1956, ele foi denunciado à polícia por supostamente estar se prostituindo em um internato católico na província de Ontário. House, após seu depoimento à polícia, foi castrado em um hospício da Igreja Católica.

Responsáveis pela comissão de investigação disseram que não divulgaram os casos de castração por insuficiência de provas. Mas o jornal citou uma farta documentação, incluindo cartas pessoais da época que denunciavam a violência.

A revelação do jornal tem tido forte repercussão na Holanda. O historiador Peter Nissen, por exemplo, disse que, por causa da superficialidade da investigação, era previsível que outros abusos viessem à tona, mas ficou surpreendido com essa “história chocante e comovente”.

Nissen afirmou que a mutilação está em desacordo com a moralidade católica, porque é uma violação da integridade do corpo.

Guido Klabbers, presidente da KLOKK, entidade que representa as vítimas de padres, disse que a revelação é “puro horror”, além de mostrar como a Igreja acreditava que podia resolver o “problema” dos meninos com predisposição à homossexualidade. Ele espera que seja aberto um inquérito parlamentar para que nada mais fique encoberto.

A conferência dos bispos da Holanda emitiu nota lamentando essas novas histórias, “se de fato forem verdadeiras”. A entidade se colocou à disposição para ajudar a “apurar toda a verdade”.

Com informação do NRC
Fonte: Paulo Lopes

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