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Arquivos mensais: Outubro 2012

Artigo: Perseguição aos gays

Por: Mario Vargas Llosa
Escritor peruano, foi o vencedor do prêmio Nobel de Literatura de 2010, nascido em 1936, o novelista e ensaísta é considerado um dos maiores nomes da literatura em língua espanhola, entre suas principais obras estão “A Casa Verde”, “Lituma nos Andes” e “A Cidade e os Cachorros”.

 

Na noite de 3 de março, quatro neonazistas chilenos, liderados por um valentão chamado Pato Core, encontraram caído nas cercanias do Parque Borja, em Santiago, o jovem Daniel Zamudio, ativista homossexual de 24 anos que trabalhava como vendedor numa loja de roupas. Durante seis horas, enquanto bebiam e pilheriavam, os quatro se dedicaram a dar pontapés e socos no jovem homossexual, golpeá-lo com pedras e marcar suásticas no seu peito e costas com o gargalo de uma garrafa. Ao amanhecer, ele foi levado a um hospital, onde agonizou por 25 dias antes de morrer em decorrência dos traumatismos.

O crime causou uma vivo impacto na opinião pública chilena e sul-americana. Multiplicaram-se as condenações à discriminação e ao ódio contra as minorias sexuais, profundamente enraizados em toda América Latina. O presidente do Chile, Sebastián Piñera, exigiu pena exemplar e pediu que se acelere a aprovação de um projeto de lei contra a discriminação, que vegeta no Parlamento chileno há sete anos, parado nas comissões por temor dos parlamentares conservadores de que a lei, se aprovada, abra caminho para o casamento entre gays.

Esperemos que a imolação de Daniel Zamudio sirva para trazer à luz a trágica condição dos homossexuais, lésbicas e transexuais nos países latino-americanos onde, sem uma única exceção, são objeto de escárnio, repressão, marginalizados, perseguidos e alvo de campanhas de descrédito que, no geral, contam com o apoio declarado e entusiasmado da maioria da opinião pública.

Nesse caso, o mais fácil e mais hipócrita é atribuir a morte do jovem apenas a quatro canalhas pobres diabos que se denominam neonazistas e, provavelmente, nem sabem o que é isso. Eles não são mais do que a guarda avançada mais crua de uma cultura antiga que apresenta o gay ou a lésbica como pessoas doentes ou depravadas que devem ser mantidas à distância dos seres normais, pois corrompem o corpo social saudável, induzindo-o a pecar e a se desintegrar moral e fisicamente em práticas perversas e nefandas.

Esta noção do homossexualismo é ensinada nas escolas, difundida no seio das famílias, pregada nos púlpitos, divulgada pelos meios de comunicação, aparece nos discursos de políticos, nos programas de rádio e televisão e nas comédias teatrais onde os homossexuais são sempre personagens grotescos, anômalos, ridículos e perigosos, merecedores do desprezo e da rejeição dos seres decentes, normais e comuns. O gay é sempre “o outro”, o que nos constrange, assusta e fascina ao mesmo tempo, como o olhar da cobra assassina para o passarinho inocente.

Num tal contexto, o surpreendente não é que se cometam atos abomináveis como o sacrifício de Zamudio, mas o fato de que sejam tão pouco frequentes, ou talvez seja mais correto dizer tão pouco conhecidos, pois os crimes provocados pela homofobia que vêm a público são só uma pequena parte dos que realmente são praticados. Em muitos casos, as próprias famílias das vítimas preferem colocar um véu de silêncio sobre eles para evitar a desonra e a vergonha.

Tenho comigo, por exemplo, um relatório preparado pelo Movimento Homossexual de Lima, que me foi enviado pelo seu presidente, Giovanny Romero Infante. De acordo com uma pesquisa realizada entre 2006 e 2010, foram assassinadas no Peru 249 pessoas por “sua orientação sexual e identidade de gênero”, ou seja, uma a cada semana. Entre os casos mais horripilantes está o de Yefri Peña, que teve o rosto e o corpo desfigurado com um pedaço de vidro por cinco “machões”, os policiais se negaram a socorrê-la por ser travesti e os médicos de um hospital não quiseram atendê-la por considerá-la um “foco infeccioso” que se poderia transmitir aos que estavam em torno.

Os casos extremos são atrozes, mas o mais terrível para uma lésbica, gay ou transexual em países como Peru ou Chile não são casos mais excepcionais como esse, mas é a sua vida quotidiana condenada à insegurança, ao medo, a percepção constante de ser considerado perverso, anormal, um monstro.

Ter de viver na dissimulação, com o temor constante de ser descoberto e estigmatizado pelos pais, parentes, amigos e todo um círculo social preconceituoso que ataca furiosamente o gay como se ele tivesse uma doença contagiosa. Quantos jovens atormentados por esta censura social foram levados ao suicídio ou sofreram traumas que arruinaram suas vidas? Somente no círculo de amigos meus tenho conhecimento de muitos exemplos que não foram denunciados na imprensa nem apareceram nos programas sociais dos reformadores e progressistas.

Porque, no que se refere à homofobia, a esquerda e a direita confundem-se como uma única entidade devastada pelo preconceito e a estupidez. Não só a Igreja Católica e as seitas evangélicas repudiam o homossexual e opõem-se obstinadamente ao matrimônio de gays. Os dois movimentos subversivos que nos anos 80 iniciaram a rebelião armada para instalar o comunismo no Peru, o Sendero Luminoso e o MRTA – Movimento Revolucionário Tupac Amaru – executavam os homossexuais de maneira sistemática nos povoados que controlavam para libertar a sociedade de semelhante praga.

Libertar a América Latina dessa tara ancestral que são o machismo e a homofobia – as duas faces da mesma moeda – será demorado e difícil, e provavelmente o caminho até essa libertação estará repleto de muitas outras vítimas semelhantes ao desventurado Daniel Zamudio. O tema não é político, mas religioso e cultural. Fomos acostumados desde tempos imemoriais à ideia de que existe uma ortodoxia sexual da qual apenas os pervertidos, os loucos e enfermos se afastam e vimos transmitindo esse absurdo monstruoso para nossos filhos, netos e bisnetos, auxiliados pelos dogmas da religião, os códigos morais e os hábitos instaurados. Temos medo do sexo e nos custa aceitar que, neste incerto domínio, há opções e variantes que devam ser aceitas como manifestações da diversidade humana. Nesse aspecto da condição de homens e mulheres deve reinar a liberdade, permitindo que na vida sexual cada um escolha sua conduta e vocação sem outra limitação senão o respeito e a aquiescência do próximo.

Minorias começam a aceitar que uma lésbica ou um gay são pessoas tão normais como um heterossexual e, portanto, devem ter os mesmos direitos – como contrair matrimônio e adotar filhos -, mas ainda hesitam em lutar em favor das minorias sexuais porque sabem que, para vencer, é necessário mover montanhas, lutar contra um peso morto que nasce na rejeição primitiva do “outro”, daquele que é diferente, pela cor de sua pele, seus hábitos, sua língua e suas crenças, que é a fonte que nutre as guerras, os genocídios e os holocaustos que enchem a história da humanidade de sangue e de cadáveres.

Sem dúvida, avançamos muito na luta contra o racismo, mas não o extirpamos totalmente. Hoje, pelo menos, sabemos que não se deve discriminar ninguém e é de mau gosto alguém se proclamar racista. Mas nada disso existe no que se refere a gays, lésbicas e transexuais. Quanto a eles, podemos desprezar e maltratar impunemente. Eles são a demonstração mais reveladora de quão distante boa parte do mundo ainda está da verdadeira civilização.

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Fonte: Gazeta da Web

 

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Engajamento eleitoral da Igreja Católica é inédito, diz dom Fernando Figueiredo

DANIELA LIMA
DIÓGENES CAMPANHA
Para FOLHA

Bispo responsável por uma das igrejas mais assediadas por políticos em São Paulo –o Santuário do Terço Bizantino, do padre Marcelo Rossi–, dom Fernando Figueiredo admite nunca ter visto a Igreja Católica se envolver tão fortemente numa eleição municipal quanto neste ano.

“Já vi uma manifestaçãozinha aqui e acolá, mas jamais um pronunciamento oficial”, afirma, ao comentar a ação do arcebispo dom Odilo Scherer, que no primeiro turno determinou que padres lessem comunicado com críticas à campanha de Celso Russomanno (PRB).

À Folha, o bispo de Santo Amaro diz que abre as portas de seu Santuário para que os fiéis possam “conhecer melhor” os candidatos.

Rechaça, no entanto, que líderes religiosos indiquem nomes aos eleitores. Apesar disso, direcionou os maiores elogios a José Serra (PSDB), que concorre com Fernando Haddad (PT).

Dom Fernando Figueiredo concede entrevista na sede da Arquidiocese de Santo Amaro, em São Paulo

 

 

Folha – O Santuário acabou se tornando alvo do périplo de políticos. Como vê isso?
Vejo o santuário como local de congregação do nosso povo. Isso não só chama a atenção da imprensa, como também dos políticos, que têm ali acesso a um grupo bastante grande para se apresentar. Muitos deles vão movidos também pela fé. Gostaria que todos fossem assim.

O objetivo político incomoda?
Eu não pergunto a ninguém se foi lá por razão política ou religiosa. Cabe à pessoa.

É positiva essa aproximação dos políticos com as igrejas?
É um modo de eles se apresentarem e também de nós os conhecermos. Para votar, creio que uma das leis máximas é justamente conhecer e conhecer bem o candidato. É verdade que eles vão lá e as pessoas os veem naquele instante. Mas talvez essa primeira impressão já traga uma alegria de saber que conhece aquele candidato.

Não há risco de a igreja ser instrumentalizada?
Se eles [os políticos] instrumentalizam, o problema é deles. Nós fazemos com a consciência reta, desejando apresentá-los e levá-los a um encontro com o Senhor.

Na última semana, os materiais anti-homofobia que Haddad e Serra produziram viraram tema na campanha. Como vê isso?
Não vou entrar na questão do kit. A igreja sempre propugnou contra todo tipo de discriminação. Todos são chamados à salvação.

*Mas elaborar esse material pode ser considerado algo que desabone um candidato?
Creio que essa questão é muito delicada. Delicada demais para, numa pincelada, tratarmos sobre ela.*

Delicado para tratar em uma pincelada. E para tratar em ano eleitoral?
Muitas vezes os debates se tornam não muito elucidativos e, às vezes, distorcidos. Não colocaria essas questões num período eleitoral.

O pastor Silas Malafaia pediu voto para Serra dizendo que Haddad queria ensinar a homossexualidade. Ele está pregando o preconceito?
Eu não gostaria de julgar.

Mas o que acha de um líder religioso indicar candidato?
Ninguém deveria dizer quem é o candidato. É um abuso do contato e da credibilidade que os fiéis nos dão.

Então qual é o limite para a participação dos religiosos?
Eu diria que devemos apresentar, sim. Mas dar conhecimento não é indicar.

O sr. disse que é preciso conhecer bem os candidatos. Pode falar um pouco o que conhece de Haddad e Serra?
O Haddad me foi apresentado pela família Tatto [dez irmãos filiados ao PT-SP]. Eu já o vi em outra ocasião, mas não tenho contato. Vejo que é muito inteligente, tem capacidade intelectual e também flexibilidade quando discursa. O Serra eu conheço há tempos. Pediram-me para dar a unção dos enfermos a uma senhora. Na saída, vi um porta-retratos com foto dele e perguntei de onde o conheciam. Era a mãe dele. Difícil encontrar alguém que conheça mais a cidade do que ele.

O sr. foi a muitas inaugurações desta gestão. Se Haddad for eleito, continuará indo?
Eu não sou ligado a este ou aquele partido. Sabia que quando os cristãos eram martirizados, eles rezavam pelo imperador, que os estava levando à morte? É uma responsabilidade da autoridade estar sempre sintonizado com o Senhor.

No primeiro turno, dom Odilo Scherer pediu para que padres lessem nas missas texto contra a campanha de Celso Russomanno. Como viu isso?
Eu não tinha claro até aquele momento que o Russomanno estivesse ligado à Igreja Universal. Até hoje não tenho. Como o conhecia há muito tempo, o que eu via era ligação com a Igreja Católica.

O sr. declarou publicamente que ele era católico.
Você sempre deve fazer o que é melhor para a pessoa. Se nada me dizia que ele não era católico, como poderia não defendê-lo?

É inédito o engajamento eleitoral da igreja em São Paulo?
Essa pergunta é para ele [dom Odilo], não para mim. Cheguei aqui como bispo em 1989. Sempre houve uma manifestaçãozinha aqui e acolá, mas não um pronunciamento oficial. Isso jamais.

Qual é o limite desse engajamento religioso?
Você apresenta [candidatos], simplesmente. Mas a igreja deve iluminar a mente do eleitor para que ele possa considerar os candidatos não só no momento presente, mas também no passado. Senão, aparece alguém da Lua com um belo discurso, e as pessoas são levadas. O conhecimento que temos, por exemplo, do Serra. Ele é mais conhecido. É mais fácil termos julgamento.

Ele tem alta rejeição, em parte por ter saído da prefeitura.
Mas isso é tão secundário. Ele saiu por quê? Porque não queria servir o povo? Ou quis servir o povo ainda mais, como governador? Perdemos essa referência.

O sr. falou do Serra, poderia destacar méritos das gestões que viu desde 1989?
A Erundina teve muita preocupação social, pela realidade sofrida do povo. O Maluf é um homem de decisão. Quando tivemos problemas na região sul, agiu imediatamente. O Pitta bem menos…

E a Marta Suplicy?
Marta, Marta, Marta…. O que eu poderia falar da Marta? Aqui na região sul… Ela tinha uma preocupação pela saúde. Vemos postos de saúde que ela incentivou. Isso foi importante. A atuação do Kassab também tem sido marcante aqui na região.

A maioria da população reprova a gestão dele.
Eu fico sempre me perguntando: de onde que vem isso? Acho injusto. Acho não, creio. Vocês que estão na imprensa, o que me dizem? Não é um pouco pegar os aspectos que não são positivos e alardear, e isso faz com que a imagem da pessoa seja denegrida?

O senhor se refere ao Kassab?
Pode ser qualquer pessoa, até um santo. Pegue irmã Dulce. Pega um aspecto que não era muito positivo e começa a divulgar. Cria-se uma ideia contrária à pessoa.

O sr. recebe crítica por receber os políticos?
Às vezes recebo críticas: “Você recebeu Fulano, ele nem é católico e o senhor o deixou comungar”. Há uma lei na igreja que, se a pessoa se aproxima para a comunhão, você não pode negá-la.

Antes do primeiro turno, o candidato Gabriel Chalita veio a uma missa na qual estava o Serra. Ele reclamou que precisou “se convidar” para o evento. Na ocasião, o sr. não quis comentar.
Continuo sendo elegante com ele.

Ele se queixou com o senhor?
Continuo sendo elegante com ele. Estou começando a ser político! [risos]

 

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Publicado por em 22 de Outubro de 2012 em Política, Religião

 

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Atea responde ao frei Beto: maldade de ateus é lenda preconceituosa

por Daniel  Sottomaior, presidente da Atea (Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos), para a Folha

No Brasil atual, é inimaginável um senador da República dizer que “tem pena” de judeus. Ou um apresentador de TV afirmar repetidas vezes que certo criminoso “só pode ser negro”. Ou um candidato à Presidência afirmar que o judaísmo tem criado problemas no Brasil e no mundo e que é bom que o próximo mandatário supremo não seja judeu.

Ou um vilão de novela ser gay e atribuir sua maldade à própria homossexualidade.

Manual de tortura escrito por dominicanos

No entanto, esse é o país em que vivem cerca de 4 milhões de ateus -número aproximado, já que o IBGE nos nega essa informação, a despeito do art. 5º da Constituição: “Ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica”.

Todos esses casos são reais, referindo-se na verdade a ateus, mas ninguém foi destituído, despedido ou processado pelo Ministério Público. Por que será?

A Folha dá enorme passo na direção certa ao abrir espaço a esta resposta ao artigo “Dilma e a fé Cristã”, de Frei Betto (“Tendências/Debates”, 10/10). Nele, o dominicano afirmou: “Nossos torturadores, sim, praticavam o ateísmo militante ao profanar, com violência, os templos vivos de Deus: as vítimas levadas ao pau de arara, ao choque elétrico, ao afogamento e à morte”.

Não há como salvar essa lógica.

Trata-se de expressão clara de preconceito. Se a frase é inaceitável referindo-se a judaísmo ou negritude, então o mesmo deve valer para o ateísmo. E o contexto não poderia ser pior: o mote do artigo é salvar a candidata de “acusações” de ateísmo, ao invés de mostrar que ateísmo não é matéria de acusação em sociedade não discriminadora.

Identificar grupos de pessoas a deficiência física, estética, mental, moral ou até teológica sempre foi a racionalização do discriminador.

A maldade dos ateus é mais uma dessas lendas preconceituosas, reafirmada ad nauseam pela sacrossanta Bíblia Sagrada e por quase todos os seus cristianíssimos seguidores, apesar de desautorizada por todos os dados disponíveis.

A Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea) vem congregando descrentes em todos os quadrantes do país, esclarecendo a sociedade, defendendo os ateus da posição inferior que nos querem impingir, lutando por um Estado verdadeiramente laico e levando aos tribunais as pessoas e instituições que insistem no contrário.

Isso, sim, é ateísmo militante.

Ironicamente, bulas papais como Ad extirpanda e Dum diversas deixam claro que o cristianismo militante inclui tortura e escravização de descrentes. Não consta que tenham sido revogadas.

O grande manual de tortura de todos os tempos, Malleus Maleficarum, foi escrito também por dominicanos, e serviu de guia, durante séculos, para a violência católica contra infiéis.

No caso a que Frei Betto se refere, os papéis também estão invertidos: combater o ateísmo era uma das justificativas para a ditadura, sintomaticamente inaugurada com a Marcha da Família com Deus pela Liberdade.

É o teísmo militante, naquela época como hoje, alimentando-se do preconceito escancarado contra ateus, sequestrando e engravidando a política, em nome dos bons tempos, para nela conceber seus frutos. Vejam só no que deu.

Fonte: Paulo Lopes
 
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Publicado por em 21 de Outubro de 2012 em Discriminação, Política, Religião

 

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Ator José de Abreu: “para ser condenado no Brasil tem que ser preto, pobre, puta e petista”

José De Abreu fala de política e história em entrevista: “Fernando Henrique Cardoso era meu ídolo na época da faculadde, não o Lula”. Sobre partidos políticos, revela: “o DEM acabou e o PSDB está acabando”

José de Abreu, 66, acompanha com a mesma intensidade o desfecho de “Avenida Brasil” e a conclusão do julgamento do mensalão no STF (Supremo Tribunal Federal).

Mensalão e o PT

“Eu nunca conversei com o Zé [José Dirceu] a respeito das denúncias. Acho que o PT fez o que sempre se fez. É errado? Sim! Mas fez o que sempre se fez”.

“Por que o PPS apoia o Serra em São Paulo e o Paes/Lula/Dilma no Rio? Qual o sentido disso? Roberto Freire [presidente do PPS] passa 24 horas por dia no Twitter metendo o pau no Lula, chamando de ladrão e de corrupto, e fecha com o Paes aqui, com um vice-candidato a prefeito do PT? É venda de espaço, venda de horário, venda da sigla. Vou ser processado. Já estou sendo processado pelo Gilmar Mendes [ministro do STF, por chamá-lo de corrupto no Twitter]]. Agora, talvez seja processado pelo Freire.” –procurado pela reportagem, Roberto Freire declarou: “Esse ator tem uma ética política que orbitava ao redor do PCB [Partido Comunista Brasileiro]. Agora, ele não tem mais nada disso. Não merece meu respeito nem a minha resposta.”

Ator José de Abreu interpretou o personagem ‘Nilo’ em ‘Avenida Brasil’. (Foto: Leonardo Wen/Folhapress)

“O Supremo quer mudar a maneira de fazer política no Brasil. Ótimo, maravilha! Óbvio que tinha que começar com o PT. Então, agora para ser condenado no Brasil basta ser preto, puta, pobre e petista.”

“O grande organizador da base foi o Zé Dirceu. Eu não tenho informação de cocheira para falar. Lendo a imprensa, deu para notar o seguinte. Antes do Lula ser eleito, houve uma reunião dele com o Zé Dirceu dizendo que ele não queria mais concorrer, né? E o Zé o convenceu com a ideia do José de Alencar [ex-vice-presidente] ser vice, de abrir um pouco mais o PT, de fazer coligação etc. Isso tudo foi o Dirceu quem fez não o Lula. Mas se for a história do domínio do fato, tem que prender o Fernando Henrique por comprar a eleição dele, porque tem provas. Agora se fala, eu sei que houve, mas não sei quem fez. O deputado Ronnie Von Santiago [que era do PFL-AC] falou eu ganhou R$ 200 mil para votar a favor da reeleição do Fernando Henrique. Ah, o FHC não sabia? Mas pelo domínio do fato, não saber é como saber. Então se pode enquadrar qualquer um, até o Lula, que sem dúvida nenhuma é o grande objetivo…”

“O PT está virando o Brasil de cabeça para baixo, está colocando uma mulher na presidência, um negro na presidência do STF, tirando 40 milhões da pobreza, fazendo um cara que sai do Bolsa Família, do ProUni, fazer mestrado em Harvard, ter os primeiros lugares do Enem.”

“Como é que um operário sem dedo, semianalfabeto faz isso que nunca fizeram? O nosso querido Fernando Henrique Cardoso, que era a minha literatura de axila na faculdade, que era meu ídolo. Não o Lula. O Lula era da minha geração, o FHC de uma anterior. Fernando Henrique, Florestan Fernandes eram os caras que queria mudar o Brasil. Aí o Fernando Henrique tem a oportunidade e não faz? Vai para a direita? É uma coisa louca. O que aconteceu? O PT e o PSDB nasceram da mesma vértebra. Era para ser um partido só. O que acontece é que chegam ao poder e vendem a alma ao diabo. Fica igual ao que foi feito nos 500 anos. O PT teve o peito de tentar romper, rompeu e está pagando por isso.”

“Eu votei no Fernando Henrique na primeira vez [na eleição de 1993]. Achava que ele era melhor do que o Lula naquela oportunidade. E foi mesmo. O Lula foi melhor depois.”

José Dirceu e a Ditadura Militar

“Conheci o Dirceu quando entrei na faculdade [no curso de direito da PUC-SP], na década de 1960. Eu entrei na faculdade já no pau, tem uma piadinha que eu faço, que quem não era de esquerda não comia ninguém. Porque ser de direita naquela época era ou ser extremamente mau-caráter ou alienado. Alienado era bobão, não sabia nem que existia a ditadura. Eu fui um dos representantes da faculdade na UNE [União Nacional dos Estudantes]. Foi nessa época que eu fiquei mais próximo do Dirceu.”

“Não fui torturado durante a ditadura. Fui preso junto com o Zé Dirceu em Ibiúna, no congresso da UNE,e m 1968. Eu fiquei preso uns dois meses, levei uns tapas na cabeça, quando ia para o Dops [Departamento de Ordem Política e Social] prestar depoimento.”

“A coisa ficou pesada depois do AI-5 [ato institucional que restringiu mais as liberdades civis], eu fui solto dois dias antes, foi a maior sorte. No dia 13 de dezembro, fui na faculdade, no Tuca e o porteiro disse que a polícia tinha ido atrás de mim, de armas. Nunca peguei em armas, fui embora para o Rio, e fiquei prestando apoio logístico para uma organização de esquerda. A única ação que eu fiquei sabendo depois e eu participei foi transportar o dinheiro tirado de um cofre do governador Adhemar de Barros [1901-1969].”

“O meu contato com a organização era um concunhado que foi preso junto com a Dilma, na rua da Consolação. Só tinha duas atitudes, ou entrar na luta armada ou deixar a organização. Minha companheira estava grávida do meu primeiro filho. Conversamos. Eu nunca pensei que poderíamos derrotar as forças armadas. Éramos 500 mil, 600 mil estudantes, tinha operário e militar, mas a grande maioria era estudante classe média.”

“Foi quando eu fui para a Europa, em 1972, para Londres, Amsterdã. Virei místico, fui estudar hinduísmo, filosofia oriental. Fiz ioga, meditação, macrobiótica, fui vegetariano, meditava quatro vezes por dia, vivia numa ilha grega, comendo frugal. Lá tomei ácidos. Muitos com orientação, para fazer pesquisa. Tinha um livro que ensinava. Tinha uma pessoa que brincava com o incenso. O contato foi maravilhoso. Era algo cósmico. No Brasil, enquanto a gente estava gritando paz no Vietnã, nos EUA eles gritavam ‘make love’ [faça amor]. Era a mesma coisa, mas um tinha um lado hippie, lisérgico. A minha geração, alguns amigos ficaram na esquerda, outros fizeram a revolução já hippie. Eu tive o privilégio de fazer parte dos dois lados.”

“Quando voltei ao Brasil anos depois, fui dar aulas em Pelotas, me desliguei dessa parte política e me foquei na arte. Me meti na profissão, fui ter filho e cuidar deles como o John Lennon fez. Limpando a bunda, acordando de madrugada para dar de mamar. Sendo um pai e mãe. Dividindo igualmente tudo e foi lindo.Depois fui para Porto Alegre, comecei a produzir música, levei Gilberto Gil, Rita Lee, Novos Baianos. Montei uma peça do Chico Buarque, ‘Saltimbancos’. Acabei fazendo um filme muito louco, ‘A Intrusa’, ganhei um prêmio em Gramado e a Globo estava lá e me chamou.”

Internet

“Na segunda eleição do Lula, eu tinha um blog e fui muito atacado. Eu estava no Acre, fazendo a minissérie ‘Amazônia’. Aquela eleição já foi muito radicalizada. Eu sou viciado em internet há muito tempo. Fui um dos primeiros atores a ter uma senha do Ministérios das Comunicações. Em 1994, 1995, já usava internet num provedor que o Betinho [Hebert de Souza] tinha por causa do Ibase [Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas]. Eu, o Paulo Betti, o Pedro Paulo Rangel fomos os primeiros atores a usar internet. Eu fiz muito ator comprar computador e ter internet. O mais comum era ouvir ‘não gosto de internet’. Mas no futuro ia ser algo como não gostar de telefone, de liquidificador. O José Mayer me apelidou de Zé Windows.”

“Sou geminiano, gosto de comunicação e cai no Twitter com a história da campanha da Dilma, que foi a primeira campanha em que as redes sociais foram muito usadas.”

Dilma Rousseff

“Não tive contato com a Dilma durante a ditadura. A gente era da mesma organização [VAR-Palmares]. Só se for fazer muita ilação. Não vou dar uma de Joaquim Barbosa…”

“Lula é Dilma e Dilma é Lula. Isso é um mantra, a cumplicidade dos dois é total. Quando o Lula começou com essa história de ter Dilma como candidato, todo mundo assustou. O pessoal do PT mesmo, o Lula pirou, como faz? Nunca tinha acontecido isso, uma pessoa que não tinha ganhado nenhuma eleição ser candidata a presidente.”

Ministério da Cultura e a Política de Cotas

“Eu não sei o que foi aquilo [Ana de Hollanda]. Um dia a gente ainda vai saber o que aconteceu. Depois ferrou, a Dilma é teimosa, não ia tirá-la na pressão. Ela esperou acabar tudo para trocar o ministério. A Ana é esquisita, uma pessoa difícil. Eu fui falar com ela uma vez, foi muito difícil. Quando entrou, batia de frente com o PT inteiro, com os deputados todos que cuidavam da cultura. Achei uma desfaçatez com o ministério da Cultura.”

“Agora precisa um levantamento para saber o deve ser feito. Mas a chegada da Marta [Suplicy] foi muito boa.”

“Sou a favorzaço de cota em tudo. Nós temos uma dívida. Há quantos anos um negro não podia entrar na faculdade? Podia pela lei, mas não entrava. Não tinha oportunidade igual. Na minha classe, tinha um negro em 50 alunos. Os ricos têm a impressão de que vão roubar deles. Mas o Lula conseguiu mostrar que dá para dividir e eles ganharam mais dinheiro ainda porque entrou muita gente no mercado para comprar coisas. Por mais que a Dilma dê porrada nas montadoras, elas estão amando a presidente.”

“Foi uma surpresa [cota para negros em edital do MinC], eu não li o projeto, mas a rigor, eu acho que o Brasil tem um débito muito grande e se for contar a escravatura, o débito não se paga nunca.”

“Não esperava que o Brasil fosse dar esse salto de assumir que é racista, de o governo assumir que existe racismo, de que existem problemas sérios, de que o brasileiro não é cordial com os seus. O brasileiro sabe explorar seus empregados. Hoje em dia, ter empregada doméstica está cada vez mais difícil. É claro! Quem quer lavar a cueca de um marido que não seja seu. É degradante.”

Futuro do PT e Presidência em 2014 e 2018

“Vou chutar aqui. Se o Eduardo Paes [prefeito do Rio] fizer um puta governo, agora com a Olimpíada, com a Copa, vai ganhar uma visibilidade absurda, pode enlouquecer e querer ser presidente pelo PMDB, sem ter sido governador. Obviamente, o Eduardo Campos [governador de Pernambuco, pelo PSB] é uma coisa natural, neto do Miguel Arraes.”

“O PSDB está acabando, o DEM acabou, o partido do Kassab [PSD] conseguiu algumas coisas, mas ele tomou o partido e agora está perdendo força. Kassab quis ser o Lula. Se o Haddad fizer um bom governo, se for eleito prefeito e ficar quatro, depois mais quatro pode ser um candidato em 2018. Daqui a seis anos o Lula ainda tem idade para tentar a presidência, mas se eu fosse ele, ia ser governador de São Paulo, só para acabar com a brincadeira [do PSDB]. Aí ficava Lula, Dilma e Haddad. São Paulo ia ser capital do mundo.”

Entrevista concedida a Alberto Pereira Jr. (RJ), Folha

 
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Publicado por em 19 de Outubro de 2012 em Política

 

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Jornalista da FOLHA DE SP defende liberdade de skinheads fazerem discursos Homofóbicos

por Hélio Schwartsman para Folha
helio@uol.com.br
Título original: Uma questão de hombridade

 

Disputas eleitorais parecem roubar a hombridade dos candidatos. Se Fernando Haddad e José Serra fossem um pouco mais destemidos e não tivessem transformado a busca por munição contra o adversário em prioridade absoluta de suas campanhas, estariam ambos defendendo a necessidade do kit anti-homofobia, como aliás fizeram quando estavam longe dos holofotes sufragísticos, desempenhando funções executivas.

Não é preciso ter o dom de ler pensamentos para concluir que, nessa matéria, ambos os candidatos e seus respectivos partidos têm posições muito mais próximas um do outro do que da do pastor Silas Malafaia ou qualquer outra liderança religiosa.

“Oponho-me a qualquer tentativa de criminalizar discursos homofóbicos”

Não digo isso por ter aderido à onda do politicamente correto. Oponho-me a qualquer tentativa de criminalizar discursos homofóbicos. Acredito que clérigos e skinheads devem ser livres para dizer o que pensam a quem esteja interessado em ouvi-los. Se não gostam de homossexuais, julgam sua conduta pecaminosa ou mesmo escandalosa, não devem ser impedidos de manifestar essas ideias. Mas, se o Estado democrático é obrigado a respeitar e salvaguardar a liberdade de expressão, isso não significa que ele deva aceitar passivamente qualquer coisa.

O poder público não só pode como deve promover valores republicanos, e um bom lugar para fazê-lo é a escola. Assim como se deseja que professores guiem os alunos pelos fundamentos da álgebra, espera-se que ensinem também as bases do Código Penal, que proíbe agressões, e os rudimentos da civilização, segundo os quais as preferências sexuais de uma pessoa não afetam sua cidadania nem lhe subtraem direitos.

Se há grupos que não gostam desse discurso, podem contestá-lo com palavras. Pelo menos em teoria, jovens, à medida que crescem, vão se tornando mais capazes de comparar argumentos e tirar suas próprias conclusões. É a democracia em ação.

 
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Publicado por em 19 de Outubro de 2012 em Discriminação, Homo/Bissexualidade

 

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